segunda-feira, 4 de agosto de 2014

PAULO E A AMIZADE


O termo amizade ou amigo não aparecem no corpus paulino. Mas Paulo prefere a linguagem do parentesco para caracterizar as relações das comunidades cristãs. Três pontos merecem ênfase: primeiro, as cartas eram o meio principal pelo qual os amigos procuravam superar sua separação física; em segundo, algumas das definições e descrições antigas típicas da amizade aparecem em suas cartas; em terceiro, ainda que a palavra amizade não conste na correspondência paulina, muitos dos termos ou conceitos do seu grupo interligado constam. O mais frequente é o termo “parceria”.

Um dos casos em que Paulo faz uso de múltiplos termos associados com a amizade é a passagem de Fl 4,10-20 em que fala da agricultura e da horticultura para descrever a amizade e seus préstimos. Então ele mistura a linguagem agrícola com a comercial quando trata da amizade. A terminologia utilizada por Paulo reflete a natureza recíproca do relacionamento de que ele goza com os filipenses.


A concentração de termos de amizade em 4,10 leva Paulo a negar sua necessidade e a afirmar sua auto-suficiência em 4,11. Paulo rejeita qualquer ideia de que sua amizade com os filipenses seja utilitária. Já em 4,12 uns catálogos de vicissitudes indicam como um indivíduo responde a situações drasticamente diferentes e a frustrações na própria sorte.

O fato de os filipenses não terem abandonado Paulo no tempo da sua aflição é então uma prova brilhante da realidade da amizade entre eles. Mas não é a seus amigos de Filipos que Paulo atribui sua capacidade de passar pelas vicissitudes da vida. Paulo atribui a Deus a função que outros atribuem à virtude e à amizade. A afirmação de que Paulo considera Deus como seu amigo é controversa, como também o é a asserção de que ele vê a Igreja como uma comunidade de amigos. Sua base principal é o uso do termo reconciliação, o qual tem o sentido de “mudar a inimizade para amizade”. Os termos para amizade e reconciliação são usados como sinônimos em relatos que descrevem o processo de negociar uma trégua entre acampamentos inimigos. Em síntese, a reconciliação produz uma mudança no afeto e na relação, marca o fim do ódio e o começo do retorno ao afeto.



Por causa da difusa ligação entre amizade, inimizade e reconciliação, a descrição da ação de Deus em Cristo que Paulo apresenta é reveladora. Deus agiu “enquanto éramos inimigos”, num tempo de hostilidade humana ao divino. Mas “fomos reconciliados com Deus por meio da morte de seu filho”. Este é paradigmaticamente o caso do próprio Paulo, profundamente transformado de adversário em enviado pela ação de Deus.

A linguagem da amizade era usada para identificar o que os cristãos partilhavam. Entretanto, 1 Tessalonicenses contém a linguagem do grupo interligado entre a amizade e a adulação; com a franqueza no falar, trata de problemas perenes da amizade, como a separação física e a morte de amigos queridos. 

Gálatas, escrita num momento em que a amizade de Paulo com os gálatas corria perigo de ser rompida, contém um tocante apelo que está repleto da terminologia amizade. Em 1 Coríntios, o pressuposto com que trata do problema da divisão da comunidade é o da “unidade de mente” de que os amigos têm o mesmo pensar e a mesma opinião. Já em 2 Coríntios, ele tem de enfrentar a acusação de que não é um amigo sincero ou constante, mas sim alguém cujo sim e não vacila conforme a ocasião, todavia, ele responde ressaltando sua integridade e sinceridade como pessoa. 



A maneira como Paulo escreve a Filêmon pressupõe que eles estão envolvidos num relacionamento recíproco, que Paulo recebeu de Filêmon grande alegria e conforto e que Filêmon tem uma grande dívida para com ele. Por fim, em Romanos, Paulo ainda faz uso da linguagem da amizade insistindo com os romanos para que partilhem mutuamente suas vidas alegrando-se com os que se alegram e chorando com os que choram, pois em virtude da atividade reconciliadora de Deus em Cristo, todos os cristãos são implicitamente amigos.

Frei Anderson Domingues
Belo Horizonte/MG

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