Em Tagaste, África, por volta de 354 – 430, existiu um homem culto, inteligente, de boa locução e inquieto, que sempre buscou dar sentido a sua vida. Agostinho, em meio à sua desenfreada busca ao encontro da verdade, dedicou-se a textos filosóficos, dentre eles, os referentes ao pensamento neoplatônico. Nos mesmos, percebeu que a verdade primeira que rege todas as coisas e que dá sentido a tudo advinha do uso da razão.
Em suas leituras, Agostinho notava grande sapiência nos antigos pensadores, e percebeu que a razão era o verdadeiro caminho que se deveria fazer para encontrar tal verdade que tanto lhe almejava possuir. Em um de seus escritos, Agostinho, aconselhado por Siciliano, nos assinala que a razão é fruto de Deus atribuído ao homem por sua gratuidade e bondade eterna. Tal reflexão leva a pensar sobre a maneira como os pensadores antigos e ele próprio, Agostinho, se portava em meio à soberba engendrada pela sabedoria, em contraponto à humildade Jesus, Deus encarnado, que por amor decidira viver uma vida humana. “E o verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo. 1,14a). De tal modo, Agostinho observa que não é possível trilhar pela verdade e chegar à Luz sem a humildade de perscrutar ouvir os desígnios do Senhor em nossas vidas.
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"Santa Monica e Santo Agostinho" - Gioacchino Assereto |
Mesmo sendo considerado um grande sábio, Agostinho, tendo plena certeza de onde deveria chegar, sentia-se em meio a caminhos tortuosos e sem proteção alguma. Mediante a leitura das cartas paulinas, Agostinho sentiu-se penetrado de maneira admirável por uma força que o fazia buscar dentro de si a Luz inefável que nunca se ofusca. Encontro que só foi possível através do entendimento e prática da humildade cristã. Agora não mais tagarelava frases eloquentes, mas falava aquilo que sentia o coração.
Agostinho não foi o único a viver essa experiência. Na Bíblia encontramos uma personagem que possuía características semelhantes às de Agostinho: uma mulher que em sua casa hospedava peregrinos. Muito zelosa com os serviços da casa, Marta estava sempre preocupada em bem servir a seus hóspedes. A mesma era consciente de suas próprias qualidades e tinha orgulho delas. Certa vez, ao servir não mais a um hóspede, como tantos outros que lá passaram, mas a Jesus, o Cristo, Marta ouviu que há muito se preocupava com coisas pequenas. No entanto, aquilo a que ela menos dava importância era o que realmente era essencial.Buscai primeiro o Reino de Deus e a Sua justiça e tudo mais vos será acrescentado (Mt. 6,33).
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"Santo Agostinho" - Frei Miguel Lucas, OSA |
Marta estava preenchida do orgulho de suas qualidades, porém havia se esquecido de que na vida fazemos um caminho em direção à Verdade das verdades. Nada que é humano e sensível está totalmente pronto; assim, o orgulho de nossos dons nos faz criar raízes em terra seca, em contraponto ao que mais queremos, que é nos deleitar no manancial de Água Viva.
Muitas vezes nos apegamos a coisas vãs e tolas e nos esquecemos de que o Nosso Deus é a fonte primeira de tudo o que existe. Os elogios que costumamos receber nos aprisionam na medida que passamos a valorar demasiadamente o que, por ventura, é excesso. “Só Deus basta” (Stª Tereza D’Ávila). Esquecemo-nos de que o caminho ao qual fomos chamados e nos predispomos a seguir tem como ponto de chegada o “tudo que nos falta”, a Verdade última. Por fim, como Agostinho e Marta, necessitamos escutar a voz interior que nos mostra o que é verdadeiramente importante. Somente através da humildade e do reconhecimento do que verdadeiramente somos e possuímos, sejam nossas misérias interiores, sejam os dons gratuitos ofertados por Deus, é que podemos nos desprender das belezas fúteis e trilhar caminho ao Eterno, lançando-nos enfim à luz que não se apaga, como disse o próprio Agostinho.
Agnaldo Júnior
Belo Horizonte/MG