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terça-feira, 12 de agosto de 2014

O CAMINHO DA HUMILDADE

Detalhe de "Santo Agostinho" - Felipe de Champaigne.  Los Ángeles County Museum of Art.

Em Tagaste, África, por volta de 354 – 430, existiu um homem culto, inteligente, de boa locução e inquieto, que sempre buscou dar sentido a sua vida. Agostinho, em meio à sua desenfreada busca ao encontro da verdade, dedicou-se a textos filosóficos, dentre eles, os referentes ao pensamento neoplatônico. Nos mesmos, percebeu que a verdade primeira que rege todas as coisas e que dá sentido a tudo advinha do uso da razão.

Em suas leituras, Agostinho notava grande sapiência nos antigos pensadores, e percebeu que a razão era o verdadeiro caminho que se deveria fazer para encontrar tal verdade que tanto lhe almejava possuir. Em um de seus escritos, Agostinho, aconselhado por Siciliano, nos assinala que a razão é fruto de Deus atribuído ao homem por sua gratuidade e bondade eterna. Tal reflexão leva a pensar sobre a maneira como os pensadores antigos e ele próprio, Agostinho, se portava em meio à soberba engendrada pela sabedoria, em contraponto à humildade Jesus, Deus encarnado, que por amor decidira viver uma vida humana. “E o verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo. 1,14a). De tal modo, Agostinho observa que não é possível trilhar pela verdade e chegar à Luz sem a humildade de perscrutar ouvir os desígnios do Senhor em nossas vidas.

"Santa Monica e Santo Agostinho" - Gioacchino Assereto
Mesmo sendo considerado um grande sábio, Agostinho, tendo plena certeza de onde deveria chegar, sentia-se em meio a caminhos tortuosos e sem proteção alguma. Mediante a leitura das cartas paulinas, Agostinho sentiu-se penetrado de maneira admirável por uma força que o fazia buscar dentro de si a Luz inefável que nunca se ofusca. Encontro que só foi possível através do entendimento e prática da humildade cristã. Agora não mais tagarelava frases eloquentes, mas falava aquilo que sentia o coração.

Agostinho não foi o único a viver essa experiência. Na Bíblia encontramos uma personagem que possuía características semelhantes às de Agostinho: uma mulher que em sua casa hospedava peregrinos. Muito zelosa com os serviços da casa, Marta estava sempre preocupada em bem servir a seus hóspedes. A mesma era consciente de suas próprias qualidades e tinha orgulho delas. Certa vez, ao servir não mais a um hóspede, como tantos outros que lá passaram, mas a Jesus, o Cristo, Marta ouviu que há muito se preocupava com coisas pequenas. No entanto, aquilo a que ela menos dava importância era o que realmente era essencial.Buscai primeiro o Reino de Deus e a Sua justiça e tudo mais vos será acrescentado (Mt. 6,33).

"Santo Agostinho" - Frei Miguel Lucas, OSA

Marta estava preenchida do orgulho de suas qualidades, porém havia se esquecido de que na vida fazemos um caminho em direção à Verdade das verdades. Nada que é humano e sensível está totalmente pronto; assim, o orgulho de nossos dons nos faz criar raízes em terra seca, em contraponto ao que mais queremos, que é nos deleitar no manancial de Água Viva.

Muitas vezes nos apegamos a coisas vãs e tolas e nos esquecemos de que o Nosso Deus é a fonte primeira de tudo o que existe. Os elogios que costumamos receber nos aprisionam na medida que passamos a valorar demasiadamente o que, por ventura, é excesso. “Só Deus basta” (Stª Tereza D’Ávila). Esquecemo-nos de que o caminho ao qual fomos chamados e nos predispomos a seguir tem como ponto de chegada o “tudo que nos falta”, a Verdade última. Por fim, como Agostinho e Marta, necessitamos escutar a voz interior que nos mostra o que é verdadeiramente importante. Somente através da humildade e do reconhecimento do que verdadeiramente somos e possuímos, sejam nossas misérias interiores, sejam os dons gratuitos ofertados por Deus, é que podemos nos desprender das belezas fúteis e trilhar caminho ao Eterno, lançando-nos enfim à luz que não se apaga, como disse o próprio Agostinho.

Agnaldo Júnior
Belo Horizonte/MG

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

PAULO E A AMIZADE


O termo amizade ou amigo não aparecem no corpus paulino. Mas Paulo prefere a linguagem do parentesco para caracterizar as relações das comunidades cristãs. Três pontos merecem ênfase: primeiro, as cartas eram o meio principal pelo qual os amigos procuravam superar sua separação física; em segundo, algumas das definições e descrições antigas típicas da amizade aparecem em suas cartas; em terceiro, ainda que a palavra amizade não conste na correspondência paulina, muitos dos termos ou conceitos do seu grupo interligado constam. O mais frequente é o termo “parceria”.

Um dos casos em que Paulo faz uso de múltiplos termos associados com a amizade é a passagem de Fl 4,10-20 em que fala da agricultura e da horticultura para descrever a amizade e seus préstimos. Então ele mistura a linguagem agrícola com a comercial quando trata da amizade. A terminologia utilizada por Paulo reflete a natureza recíproca do relacionamento de que ele goza com os filipenses.


A concentração de termos de amizade em 4,10 leva Paulo a negar sua necessidade e a afirmar sua auto-suficiência em 4,11. Paulo rejeita qualquer ideia de que sua amizade com os filipenses seja utilitária. Já em 4,12 uns catálogos de vicissitudes indicam como um indivíduo responde a situações drasticamente diferentes e a frustrações na própria sorte.

O fato de os filipenses não terem abandonado Paulo no tempo da sua aflição é então uma prova brilhante da realidade da amizade entre eles. Mas não é a seus amigos de Filipos que Paulo atribui sua capacidade de passar pelas vicissitudes da vida. Paulo atribui a Deus a função que outros atribuem à virtude e à amizade. A afirmação de que Paulo considera Deus como seu amigo é controversa, como também o é a asserção de que ele vê a Igreja como uma comunidade de amigos. Sua base principal é o uso do termo reconciliação, o qual tem o sentido de “mudar a inimizade para amizade”. Os termos para amizade e reconciliação são usados como sinônimos em relatos que descrevem o processo de negociar uma trégua entre acampamentos inimigos. Em síntese, a reconciliação produz uma mudança no afeto e na relação, marca o fim do ódio e o começo do retorno ao afeto.



Por causa da difusa ligação entre amizade, inimizade e reconciliação, a descrição da ação de Deus em Cristo que Paulo apresenta é reveladora. Deus agiu “enquanto éramos inimigos”, num tempo de hostilidade humana ao divino. Mas “fomos reconciliados com Deus por meio da morte de seu filho”. Este é paradigmaticamente o caso do próprio Paulo, profundamente transformado de adversário em enviado pela ação de Deus.

A linguagem da amizade era usada para identificar o que os cristãos partilhavam. Entretanto, 1 Tessalonicenses contém a linguagem do grupo interligado entre a amizade e a adulação; com a franqueza no falar, trata de problemas perenes da amizade, como a separação física e a morte de amigos queridos. 

Gálatas, escrita num momento em que a amizade de Paulo com os gálatas corria perigo de ser rompida, contém um tocante apelo que está repleto da terminologia amizade. Em 1 Coríntios, o pressuposto com que trata do problema da divisão da comunidade é o da “unidade de mente” de que os amigos têm o mesmo pensar e a mesma opinião. Já em 2 Coríntios, ele tem de enfrentar a acusação de que não é um amigo sincero ou constante, mas sim alguém cujo sim e não vacila conforme a ocasião, todavia, ele responde ressaltando sua integridade e sinceridade como pessoa. 



A maneira como Paulo escreve a Filêmon pressupõe que eles estão envolvidos num relacionamento recíproco, que Paulo recebeu de Filêmon grande alegria e conforto e que Filêmon tem uma grande dívida para com ele. Por fim, em Romanos, Paulo ainda faz uso da linguagem da amizade insistindo com os romanos para que partilhem mutuamente suas vidas alegrando-se com os que se alegram e chorando com os que choram, pois em virtude da atividade reconciliadora de Deus em Cristo, todos os cristãos são implicitamente amigos.

Frei Anderson Domingues
Belo Horizonte/MG

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

DO DISCIPULADO À MISSÃO, DA MISSÃO AO DISCIPULADO


Como é costume, a Igreja no Brasil dedica o mês de setembro e outubro, respectivamente à Bíblia e à missão. Todo tempo é tempo da Palavra de Deus e de missão. Mas, neste tempo somos chamados a renovar nossos propósitos de discípulos e missionários.

A íntima relação entre a Bíblia e a missão nasce da relação do encontro do discípulo com o Mestre. João no seu evangelho apresenta Jesus como o Mestre e Senhor ao dizer: “Vós me chamais de Mestre e Senhor; dizeis bem, porque sou” (Jo 13, 13). O lugar privilegiado de encontro com este Mestre e Senhor é a Bíblia. O missionário não anuncia outra coisa senão o Mestre, disto nasce a necessidade de estabelecer um relacionamento estreito com o Mestre, para podermos conhecer quem anunciamos.

Como está nossa relação com o Mestre? Quando tempo dedico para me encontrar com ele? Isso é de suma importância, pois disto depende o conteúdo da missão. Ser missionário é anunciar Aquele que é “o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14, 6) para que todos tenham vida e vida em abundância (Cf Jo 10, 10), em todas as suas formas e diretos.

Diante disto pode surgir a pergunta: como me encontrar com o Mestre? A Eucaristia é o lugar primordial de encontro com Cristo. Mas, quero falar daquele lugar privilegiado que mencionei acima: a Palavra de Deus. Para isso, partilho uma forma de encontro muito utilizada pelos monges, a Leitura Orante (lectio divina), que é simples e fácil. Acompanhemos:


Assim, passo a passo vou conhecendo aquele quem anuncio e tornando a minha própria vida um anúncio. Podemos acrescentar um quinto passo. Um imperativo: “Ide por todo mundo, proclamai a Boa Notícia a toda criatura” (Mc 16, 15), ou seja, ide e anunciai o Cristo, anunciai a Vida.

O discípulo missionário deve ser um homem do silêncio, disposto ao diálogo. É no silencio que aprendemos a escutar a Deus e ao outro. Ser disposto a sair de si, para se doar. O diálogo é imprescindível na missão, pois sem ele não estabelecemos relações e não nos abrimos à dinâmica do discipulado. Sempre temos algo para apreender.

Portanto, exercitemos e cultivemos a experiência com o Mestre por meio da Palavra, a qual nos impele a uma missão, construída sobre o discipulado. Que não seja apenas nestes meses, pois a missão só terminará quando todos tiverem vida e vida em abundância. Enquanto houver injustiça, violência e qualquer atentado contra a vida o anúncio deste Mestre e Senhor tem que continuar. Pois a opção deste Mestre é pelos pobres, e por ser opção do Mestre torna-se opção do discípulo missionário.




Frei Samuel Marques
Diadema/SP